Nada neste mundo é certo. Dia após dia, tento me convencer desse fato. Passaram-se oito meses desde o desastre de Tohoku. Para mim, que cresci em Fukushima, enquanto não se resolver a situação da usina nuclear Daichi da Companhia Elétrica de Tokyo (TEPCO), sinto que o desastre ainda não acabou. Com este grande desastre, o poder do rádio foi reconsiderado. Ao invés de imagens do tsunami que se repetiam sem fim, as pessoas procuravam informações úteis e voltaram sua atenção ao rádio. O microfone nunca tinha sido um objeto tão querido até aquele momento. Queria passar informações acuradas. Naquele período atribulado, o que mais diziam as mensagens que recebi por e-mail e fax era que as pessoas se sentiam aliviadas e confortadas por ouvirem a voz de sempre. É isso. Naquela hora, senti na pele o quanto é importante e necessário que algumas coisas permaneçam iguais.
Depois do desastre, consegui tirar um dia de folga e pude ir para Fukushima. O familiar restaurante de gyoza na cidade de Fukushima. Uma equipe de televisão de Tóquio, que estava fazendo uma matéria no local, de repente disse alarmada: “Aqui está muito perigoso! É perigoso demais!”, e se apressaram para ir embora no mesmo dia. Mas o dono do restaurante, que não sabia das informações detalhadas dos acontecimentos, não sabia o quê nem o quanto era o perigo, restando-lhe permanecer naquela incerteza. Alguns dias depois, quando a televisão transmitiu os dados numéricos sobre as doses de radiação, ficou chocado. Ele não tinha como fechar o restaurante enquanto continuava as pessoas vinham ao seu restaurante. Apesar de ser uma pessoa simples e de poucas palavras, ao ouvi-lo levantar a voz, dentro de mim misturaram-se a frustração, a raiva e a angústia. “Mas…”, dizia o proprietário. “Uma coisa que não dá pra ver com os olhos realmente dá muito medo”, reclamava seriamente em voz baixa. Uma outra pessoa que recentemente começou a morar ali, chamando os pais de Iidate-mura para vir morar numa pequena casa que havia comprado na cidade de Fukushima, se perguntava: “Por que numa idade dessas eles têm de se afastar de um lugar onde estão tão acostumados?”. Senti que era uma grande injustiça. Mesmo sofrendo perdas, há coisas que podemos conseguir de volta com a nossa própria força. Mas a ameaça invisível que agride o corpo, não importa o quanto nos esforcemos, num instante inesperado pode pôr ao chão tudo o que construímos. Como lutar? Enquanto não se encontra a resposta, todos começam a seguir em frente, em passos que variam de pessoa para pessoa. Há muitas pessoas que mudaram seu modo de ver a vida. Após o desastre, estou vivenciando isso fortemente. É o peso das palavras. Passados vários meses, começa a se tornar clara a diferença do quanto de informação as pessoas têm. Só televisão, só jornal – não é possível confiar somente nesses meios; há ainda pessoas que buscam outras fontes de informação. Tenho ouvido dizer que há gente que critica os outros por pensarem diferente de si e acabam se calando. Ao deparar-se com uma situação que vai além do nosso conhecimento, diz-se que o nosso cérebro fica paralisado e ficamos incapazes de pensar, mas se deixarmos de falar, não é possível nem buscar compreender as coisas nem avançar para frente. Tentar compreender as coisas exige esforço, mas neste momento se fazem necessárias palavras que nos possibilitam imaginar o sofrimento dos outros.
No terremoto de Kobe, nas residências temporárias onde haviam muitas pessoas de idade avançada, eram muitos os idosos que se isolavam do mundo em suas casas. Por isso, organizaram patrocínio para montar espaços comunitários onde se pudessem realizar encontros para tomar chá (“ochakai”) e aos poucos conseguiram voltar a trocar palavras. E assim, surgiram várias demandas. Aos poucos, foram se formando grupos independentes de idosos para se fazer ouvir suas vozes e aflições. Espontaneamente os idosos começaram a conversar e conseguiram seguir em frente. Havia casos em que os voluntários se esforçavam muito para fazer os idosos falarem, mas estes diziam que apesar de estarem muito gratos pelos esforços desses voluntários, não conseguiam falar. Isso significava que estavam agradecidos mas que na verdade o que desejavam era trabalhar. Queriam se sentir úteis, ajudando os outros mesmo que um pouco. Olhar nos olhos da outra pessoa, interagir, conversar: o vínculo entre as pessoas é uma linha vital muito importante. Leva tempo para as pessoas se recuperarem emocionalmente. Não sei quando isso se dará. Mas como nada neste mundo é certo, lágrimas de raiva, lágrimas de dor, quando somos invadidos pela sensação de vazio, lágrimas de tristeza, mesmo que somente uma gota, um dia ainda serão substituídas por lágrimas de felicidade.
Locutora free-lancer
Yumi Karahashi
[Perfil] Yumi Karahashi
Ela é de Kitakata-shi e ex-locutora da TV-U Fukushima. Atualmente, trabalha como locutora independente no programa de rádio “Sokodaijinatoko de Terumi Yoshida”, no programa de televisão da TBS “Sunday morning de Hiroshi Sekiguchi”, no programa de televisão da NHK “Meii ni Q” e no programa de televisão da TV Tokyo “Kokoku no Bangumi”.